sábado, 20 de julho de 2013

Grande ABC Paulista x Indústria Automobilística x Detroit - a caminho da Concordata!

Província é concordatária bem
diferente da americana Detroit

  DANIEL LIMA - 19/7/2013
Antigamente a Província do Grande ABC tinha orgulho em autoproclamar-se “Detroit brasileira”. Desde os tempos em que aqui cheguei, e faz tempo que aqui cheguei, ouvia, principalmente nas transmissões esportivas, aquele mantra envaidecedor. Hoje certamente ninguém aporia à expressão “Grande ABC” o complemento grandiloquente do passado. O presente virou pesadelo para a cidade norte-americana que nos anos 1950 era o quarto endereço mais importante do País com 1,8 milhão de habitantes e hoje, com 700 mil, foi declarada concordatária. Ou seja: o Poder Público não tem como acertar as contas com credores, pessoas físicas e jurídicas.
Nossa concordata é outra, aparentemente menos grave: temos déficit cumulativo impagável de cidadania, de capital social, de envolvimento construtivo da sociedade. Tudo isso sustenta a festa dos malandros juramentados, dos oportunistas multipartidários, das sanguessugas corporativas.
Não acredito que corremos o menor risco de algum dia ser declarados uma Província concordatária nas finanças, entre outras razões porque a legislação infraconstitucional e constitucional não possibilita a configuração de um desenho de calamidade pública em forma de receitas e despesas que não se bicam. Portanto, estamos livres da possibilidade de voltarmos a ser a “Detroit brasileira”.
Mas isso não quer dizer que não temos complicações já no presente, por conta de incompetências acumuladas ao longo dos tempos. Nossos administradores públicos são extrativistas por natureza. Eles vivem dos ventos favoráveis do passado que nos trouxeram centenas e centenas de indústrias geradoras de impostos e de empregos sem que fosse preciso estalar sequer um dedo de planejamento municipal ou regional. Tínhamos terra. A vizinhança com a Capital que já não suportava custos elevados de investimentos garantia aqueles aportes.
A estrada de ferro passava no coração de Santo André e a via Anchieta passou a passar no coração de São Bernardo. Depois veio a Imigrantes. Todos os fatores externos à desorganização regional. Como o próprio Rodoanel que chegou por chegar e chegou por chegar porque é o trajeto mais razoável em direção ao Porto de Santos. Nada fizemos para explorá-lo. Muito pelo contrário.
Comparando com o País
Poucos prefeitos fizeram algo para manter nosso parque industrial em nível razoável, ou para estimular novos investimentos. Perdemos, como tenho mostrado exaustivamente, cada vez mais recursos financeiros e mais empregos oriundos das indústrias. Acreditamos no conto da Carochinha de que serviços e comércios sem valor agregado vão segurar a barra. Bobagem.
Os salários médios na região despencaram desde o começo dos anos 1990. Os avanços nos últimos anos sob o regime consumista do presidente Lula da Silva são apenas soluços e traquinagens metodológicas. Como no Brasil, três em cada quatro empregos formais da região são de até três salários mínimos. Antes tínhamos orgulho de ser bem melhores que os números médios do País. Hoje festejamos contar com a média do País em vários indicadores.
Mas o que mais preocupa mesmo quando se lê o noticiário sobre a concordatária Detroit, outrora a capital automobilística do mundo, é que continuamos a depender demais do setor automotivo. Essa doença holandesa é protegidíssima pelo governo federal, é verdade, mas há muito deixou de estar centralizada na região. Não passamos hoje de 20% da produção de veículos de passeio no País. Centenas de pequenas e médias fábricas de autopeças desapareceram. Há uma concentração de capital no entorno das multinacionais que inundam as ruas de novidades tecnologicamente ainda muito distantes dos principais centros produtores do mundo. Sem contar que nossos veículos custam o olho da cara quando confrontados no mercado internacional.
Somos uma doença holandesa tratada com desvelo num centro cirúrgico de Primeiro Mundo.  Sabe-se lá até quando vai ser possível assegurar essa artificialidade competitiva num mundo cada vez mais pressionado por quebra de barreiras.
Anos de chumbo
Com Fernando Henrique Cardoso e sua política de descentralização produtiva, aliada a decisões macroeconômicas que atingiram em cheio a estrutura industrial regional, comemos o pão que o diabo amassou. Perdemos um terço do PIB industrial e ainda não nos recuperamos nem mesmo com a ascensão petista de política econômica que privilegia as montadoras, antigas plataformas de rebeldia dos trabalhadores locais e hoje companheiras de jornadas em tantas searas.
Sob o ponto de vista econômico e financeiro, sofremos queda livre principalmente nas duas últimas décadas, perdendo de goleada o jogo para todas as regiões paulistas, inclusive para a Região Metropolitana de São Paulo. Entretanto, e felizmente, a Província do Grande ABC não entrará em colapso como Detroit. Nem tampouco, acredito, no âmbito social.
A cidade norte-americana contabiliza complicações sociais em criminalidade, mercado imobiliário, atendimento de demandas de saúde, em educação e em tantas outras atividades. Não somos a maravilha que tanto os triunfalistas apregoam. Muito pelo contrário. Entretanto, incorporamos gama de conquistas históricas estáveis que Detroit perdeu aos pouco. Tanto com a queda de produção de veículos como, principalmente, pela redução drástica de moradores de maior nível econômico -- gente que se mandou para áreas periféricas de alta qualidade de vida.
Também perdemos muitos cérebros, boa parte de nossos melhores profissionais atua na Capital ante o refluxo da atividade economicamente nobre como a industrial, mas não sofremos o abandono físico crucial de Detroit.  Se bem que a deserção de cidadania está mais que cristalizada. Somos almas penadas como sociedade. Temos volume humano, temos indicadores econômicos e sociais acima da média nacional, mas não conjugamos o verbo participar em qualquer tempo.
O que nos assusta, uma das pregações deste CapitalSocial, é a incapacidade de reação da sociedade ao poder viciado e contaminador das esferas públicas municipais que concentram enorme poder decisório em questões que atingem diretamente quem pretende manter ou melhorar a qualidade de vida. Estamos entregues a quadrilhas organizadas em vários setores, do mercado imobiliário às empreiteiras de obras, do sistema de saúde ao sistema educacional. São assaltantes de cidadania que também se movem com maestria nos escaninhos da mídia com o objetivo de manipular a realidade e conservarem o poder direto ou o poder no entorno do poder.
A concordata em capital social da Província do Grande ABC talvez seja o caminho mais rápido à concorda financeira e administrativa que atingiu Detroit. Se a estrutura constitucional dos poderes no Brasil fosse semelhante a do Estados Unidos, com autonomias e responsabilidades bem caracterizadas, a Província do Grande ABC estaria em maus lençóis.
Vejam o caso das demandas sociais: o dinheiro público federal e estadual cansa de nos socorrer ou de prometer socorro para aliviar nossas dores. Nossos cofres estão praticamente vazios, com crescimento vegetativo e incremental de despesas com a máquina de servidores e de gastos correntes muito acima dos índices de arrecadação e, principalmente, de geração de riqueza sistêmica. O que não tem nada a ver com metodologias que escoram novas classes sociais por indicadores de posses materiais financiadas em longas prestações.
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